Quem é Satanás
Este misterioso personagem aparece nas páginas bíblicas, mas pouco se sabe sobre quem realmente ele é e como surgiu. A opinião mais comum entre os estudiosos cristãos é tratar-se de um anjo chamado Lúcifer (nome que não existe no original da Bíblia, mas aparece na versão King James), que teria se rebelado contra Deus. Não existe na Bíblia, de forma clara, esta informação. Existem, contudo, dois textos bíblicos que relatam uma rebelião de anjos:
“E quanto aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade, mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia” (Jd 6 NVI).
“Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo” (II Pe 2:4 NVI).
Estes textos somados a outros dois que vinculam a figura de Satanás – ou do Diabo, outro nome dado ao mesmo – a um grupo de anjos: “Então dirá aos que estiverem à sua esquerda: – Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos” (Mt 25: 41 NVI – grifo nosso) e “O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana o mundo todo. Ele e seus anjos foram lançados à terra” (Ap 12:9 NVI – grifo nosso) demonstra esta ligação desse ser aos anjos caídos. Segundo a BEG (1999, p. 579), é o chefe dos anjos caídos e, como estes, só vem à plena luz no Novo Testamento, o qual dá a ele outros títulos: “Diabo” (acusador), “Apoliom” (destruidor), “tentador”, “maligno”, “Príncipe deste mundo” e “deus deste século”. Apontam para ele como presidente do estilo de vida anti-Deus da humanidade. Jesus refere-se a ele como alguém que sempre foi assim e é o “pai da mentira”. Não é só mentiroso, mas também quem patrocina toda falsidade e trapaças subseqüentes. É também identificado como a serpente que enganou Eva no Éden. O seu retrato é de malícia, fúria e crueldade contra Deus, contra a sua verdade e contra aqueles a quem Deus ama.
É possível que Jó e seus amigos tivessem conhecimento dessa queda de anjos. No texto de Jó 4: 18 Elifaz coloca: “Se Deus não confia em seus servos, se vê erro em seus anjos e os acusa” (NVI). Em Jó 18: 14 – “Ele é arrancado da segurança de sua tenda, e o levam à força ao Rei dos terrores” (NVI – grifo nosso) – Bildade revela conhecimento da figura de um ser maligno, o qual pode ser o diabo. A Bíblia de Jerusalém (2002, p. 824) identifica este personagem com algum da mitologia oriental ou grega (Nergal, Plutão, etc.), que, nesta afirmação de Bildade, indicaria espíritos infernais que se encarniçam contra os criminosos, ainda em vida. O certo, aqui, é que alguma espécie de personificação do mal já era referida pelos personagens do livro.
A questão é que juntando-se a informação de Elifaz de repreensão a anjos e a afirmação de Bildade em relação ao “Rei dos Terrores”, pode-se afirmar que havia conhecimento de um ser maligno que poderia ter sido um destes “anjos pecadores”.Para a TEB (1994, p. 1172), o substantivo satan, o qual designa o acusador da corte divina, assumiu o valor do próprio a partir de I Cr 21:1 – “Satanás levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer um recenseamento do povo” (NVI). Embora tenha realmente fundamento esta afirmação da TEB, a própria naturalidade com a qual o autor do Livro das Crônicas fala de Satanás no texto citado, demonstra que tal figura já era amplamente conhecida pelos seus leitores há algum tempo.
Um texto que levanta muita polêmica a respeito de se tratar ou não de Satanás é o de Ez 28: 11-19. O texto é uma lamentação dirigida ao rei da cidade de Tiro. Mas algumas expressões encontradas nesta lamentação – modelo da perfeição (v. 11), estava no Éden (v. 12), ungido como um querubim guardião (v. 14), inculpável em seus caminhos desde o dia que foi criado (v.15) – não poderiam tratar de um ser humano, no caso o rei de Tiro. Entendem alguns estudiosos, a partir daí, que o texto não estava se referindo ao rei de Tiro e sim a um poder que operava sobre o rei de Tiro, no caso Satanás. O Pastore Caio Fábio D’Araújo Filho fala da “Síndrome de Lúcifer” que é algo tão contagioso que os profetas falam de Nabucodonosor e do rei de Tiro como sendo personalidades tão contagiadas pela Síndrome de Lúcifer que falar deles era equivalente a falar do que aconteceu ao próprio Lúcifer. Daí, os intérpretes bíblicos ficarem, muitas vezes, confusos, sem saber se os textos proféticos se referiam a Lúcifer ou aos reis em questão. Todavia, o que se deve crer é que todo pecado de arrogância, auto-elevação, soberba e insubordinação procede do mesmo mal, metafisicamente falando. O que está por trás de toda atitude de autonomia da criatura em relação ao Criador é a Síndrome de Lúcifer. O autor acrescenta que em Ez 28, o profeta descreve o rei de Tiro atingido pela Síndrome de Lúcifer, mas, subitamente, volta seu olhar para um tempo anterior, quando uma criatura de Deus se encheu de um narcisismo tão forte, a ponto de se amar mais do que a Deus e à sua glória. Por causa disso foi lançado por terra. Este mesmo processo acontece com seres humanos afetados pela “Síndrome de Lúcifer” nas dimensões da vida em que ela se desenvolve.
Segundo Grudem, no discurso poético hebraico não é incomum alterar-se uma descrição de um acontecimento humano para um celeste que lhe seja análogo, o qual é retratado, ainda que de modo limitado, pelo acontecimento terreno. Considerando, diante disso, que o texto de Ezequiel realmente refira-se a Satanás, não sobram mais dúvidas de que ele era um anjo que se rebelou. Tal afirmação encontra coerência com a sua participação no Livro de Jó, pois ele aparece entre os “filhos de Deus” que se apresentavam ao Criador. Como a expressão “filhos de Deus” certamente se refere a anjos e embora como bem lembre a Bíblia de Jerusalém (2002, p. 803), ele parece como personagem equivocado, um espião distinto dos filhos de Deus, no mínimo ele conhecia o caminho, como alguém que já foi um dos “filhos de Deus”.
É importante, a esta altura, reafirmar que, independente da origem, Satanás existe enquanto ser individual, dotado de personalidade e vontade e que é aquilo que a Bíblia diz a seu respeito: adversário de Deus e daqueles que o servem. Além disso, não há razão para desconsiderar tudo o que os cristãos, através da história, têm dito a seu respeito. É claro que muitas destas informações não passam de folclore, principalmente as trazidas pelos atuais livros de batalha espiritual, mas existe muita coisa aproveitável entre o muito que a história da Igreja revelou do seu caráter, pois muito se aprendeu com os anos de luta contra esse ser maligno. Lewis (1983, p. 96-97) considera impossível deixar de acreditar na história sagrada que, embora não incluída nas Escrituras, foi sempre amplamente divulgada na Igreja: a história de que o homem não foi a primeira criatura a se rebelar contra o Criador, mas que um ser mais antigo e poderoso, há muito tempo, tornou-se apóstata e é agora o imperador das trevas. A doutrina da existência e queda de Satanás não contradiz nenhum fato descoberto pela ciência, portanto, é razoável crer que algum extraordinário poder criado já operava para o mal muito antes do homem entrar em cena.
Compreendido que Satanás trata-se de um ser real, criatura de Deus, mas que por uma rebelião tornou-se mau e adversário de Deus e de quem o serve, torna-se importante agora entender seu modo de agir. O primeiro lugar em que ele é encontrado agindo na Bíblia é em Gn 3, no relato da queda do homem, apesar de não ser referido o seu nome neste texto, sabe-se, a partir de Ap 12: 9, que a serpente citada no texto de Gênesis era Satanás. Neste texto da queda do homem percebe-se a forma de agir do Diabo. Ele aproxima-se de Eva, questiona a Palavra de Deus e oferece uma possibilidade ao homem de obter o conhecimento de Deus. Gn 3: 6 relata que: “Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto e comeu-o e o deu a seu marido , que comeu também” (NVI). Este versículo encontra uma ligação forte com I Jo 2: 16 – “porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida não procede do Pai, mas procede do mundo” (ARA) – o que demonstra que estas três formas de cobiça, ou concupiscências são a principal arma de ação do diabo.